ESR - O FENÓMENO DA CIBERCULTURA (I)


Tópico 3

No dilúvio informativo que ameaça fazer desaparecer a sociedade contemporânea, estará reservada à responsabilidade individual, nascida da nossa liberdade enquanto cidadãos, o papel da nova Arca de Noé? Será que a responsabilidade individual ou a grupal possibilitarão a filtragem preservadora daquilo que constitui o património cultural essencial da sociedade humana? 

A atividade que vos propomos é a de analisarem o texto referenciado de Pierre Lévy [Cibercultura] e, posteriormente, apresentarem um comentário sobre a noção de cibercultura, tal como defendida por Lévy, que inclua a indicação de três exemplos significativos. 
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No dilúvio informativo que ameaça fazer desaparecer a sociedade contemporânea, estará reservada à responsabilidade individual, nascida da nossa liberdade enquanto cidadãos, o papel da nova Arca de Noé?

Sim, essa ideia é transmitida por Lévy, na sua publicação “Cibercultura” do qual se cita: “Sempre que Noé, isto é cada um de nós, olha através da vigia da sua arca, vê outras arcas perto de si, navegando no Oceano tumultuoso da comunicação digital. Cada uma quer salvar a diversidade.”

De facto, cada um de nós (entenda-se que esteja ligado à rede, pois o acesso à rede não atinge toda a população mundial), de uma forma direta, por exemplo num canal de rede social como o Facebook, ou outro modelo de comunicação como os blogs, Instagram, Twitter …, dispõe de condições em expressar-se, em partilhar informação, registar eventos em texto, em imagens, em gravações áudio ou vídeo, pela combinação dos anteriores, que podem ficar (se a pessoa o entender) disponíveis e de acesso público (universal).

Estes registos, incluindo os pessoais, deixam registados eventos, que são identificáveis na linha cronológica pela data de publicação, de algo real que aconteceu e que esta pessoa sinalizou como importante para partilha e comunicação imediata, aos seus amigos e/ou outras pessoas ligadas à rede. Contudo, para além desta comunicação imediata ou a curto prazo, é de salientar que é um registo que fica para a posterioridade, ou seja, é um exemplo de uma arca de Noé, ou seja, cada um de nós, regista para o momento e para a posteridade, um determinado evento que achamos relevante preservar.

Outras opções para o papel de Noé, são os repositórios das universidades, sites de universidades ou de outras entidades idóneas, que acumulam no seu ciberespaço, um determinado espólio cultural, técnico, …, selecionado por especialistas dessas aeras temáticas. Esta observação já vai de encontro à resposta à segunda pergunta.

  
Será que a responsabilidade individual ou a grupal possibilitarão a filtragem preservadora daquilo que constitui o património cultural essencial da sociedade humana?

Nesta pergunta existem duas palavras – “filtragem” e “essencial” -  cujo os seus significados não fazem grande sentido na cibercultura, como Lévy a vê, tornando automaticamente numa resposta negativa – Não!

Quem faz a filtragem? Quem identifica o que é o património cultural essencial? O indivíduo ou o grupo são isentos, ou representam um grupo de interesses?

É necessário ter em conta, que do lado dos críticos contra a internet, estão aqueles que detém poder, privilégios (especialmente culturais) e monopólios que veem-se ameaçados por esta nova forma de comunicação (Lévy, 1996).

A internet como nova forma de comunicação, permitiu a ligação entre diversas culturas humanas, todas elas ligadas entre si, criando o ciberespaço. Esta diversidade de “inputs”, não só cria uma corrente enorme de informação, como torna este espaço como um todo (universal). Todos contribuem, todos interagem e geram-se novas ideias, pensamentos, ou seja pode-se dizer que caminha-se para uma sociedade de inteligência coletiva e independente, sem estar sujeita ao “lápis azul”[1].

Esta situação por um lado, é positiva, pois regista um histórico no ciberespaço, de cada um, uma “Arca de Noé” individual ou grupal, na sua liberdade de expressão, englobando o todo, sem censura. Por outro lado, permite registar informação falsa, ou usar a internet para divulgação, partilha e mobilização de pessoas para causas com valores subversivos em termos humanitários (exemplo: a pedofilia).
Esta perspetiva negativa despoletou uma maior necessidade de regulação dos conteúdos na internet. Entre 1996, quando foi publicado o livro e a atualidade, em termos tecnológicos e informáticos, houve um exponenciação da sua evolução, tal como do seu uso. Os diferentes Estados, sentiram a necessidade de regulação, fiscalização e policiamento do ciberespaço.

Estas regras, quer legais, quer as regras dos fornecedores de serviços de alojamento de sites, de contas de email, das empresas proprietárias de aplicações de redes sociais e equiparados, visão de certa forma, funcionar como um filtro, para se evitar a propagação de usos e práticas socialmente não aceites, ou ficarem registados eventos falsos, diluindo na imensidão de informação os registos fidedignos, onde se inclui o património cultural das sociedades humanas.
É claro que estas regras e práticas, podem ser usadas de forma abusiva, por exemplo em Estados ditatoriais, para os seus cidadãos não terem acesso a toda a informação, não terem informação que os possa subverter contra o poder instalado, nem expor para o exterior desse Estado, o que realmente lá acontece, que por vezes descrevem violações de direitos Humanos, são exemplos desta filtragem, destes “lápis azuis”, a situação na China, com o Estado a implementar “firewalls” de grande capacidade, filtrando e controlando a informação que entra na China e tentam também limitar a informação que saí para o exterior e punem quem o faz (onde está Ai Fen?[2]). Outros exemplos deste controlo, são os que acontecem nas redes sociais, Twitter, Facebook, que tem funcionários dedicados a fiscalizar os conteúdos publicados e ainda tem canais de denúncia, para os conteúdos que violam a lei, as normas das aplicações, permitindo a remoção destes ou a colocação de avisos de que o conteúdo pode não ser verdadeiro. É exemplo o Twitter com algumas publicações do Presidente Donald Trump, nos dias após as eleições.

Em 1996, Lévy, colocava o ónus da filtragem da informação no ciberespaço a quem faz a procura e não tanto a quem a lá coloca. “… o ciberespaço, não põe em jogo centros de difusão para recetores mas espaços comuns para onde cada um pode trazer o seu quinhão e onde pode consultar aquilo que lhe interessa, espécie de mercados de informação onde as pessoas se encontram e onde a iniciativa pertence ao que procura alguma coisa.” – (Lévy, 1996).

De facto esta visão de Lévy é provada pelo sucesso de diversos motores de busca, dos quais se destacou o “Google”, ou seja, com a massificação dos computadores pessoais, correspondendo a um aumento de utilizadores do ciberespaço, estes recorrem a programas para encontrar a informação que procuram. Contudo, cabe ainda ao utilizador, o quem procura, fazer a filtragem da qualidade da informação que obtém através desses motores de busca.

É neste oceano informativo, que quem procura uma resposta a um problema que tem, poderá ser confrontado com diversas e diferentes formas de resolução. Esta situação torna-se numa outra demanda, que é filtrar a informação que encontrou, que às vezes pode ser contraditória, mas ambas subscritas por especialistas das áreas[3]. Como filtrar? Como saber o que é essencial?

Mas não é só este problema de filtragem que o utilizador tem. É também a filtragem que o motor de pesquisa faz. Por definição os resultados são apresentados por ordem de maior procura e acesso, ou seja, de forma impercetível está a haver uma filtragem, centrada na procura quantitativa e não na qualidade ou adequação de conteúdos que o utilizador procura. Esta situação, de forma impercetível, influencia as massas num determinado sentido e cria grupos ou temas marginalizados dentro do ciberespaço.

Outro aspeto que deve ser considerado nas filtragens é o idioma. Fazer uma busca com um termo em português ou em inglês, irá garantidamente levar a uma listagens de links diferentes. Atualmente, o desenvolvimento tecnológico, criou ferramentas informáticas de tradução automática, presentemente já com uma qualidade aceitável, permitindo assim, uma maior universalidade de acesso à informação.

Chegado a este ponto, refiro que Lévy, vê a internet como um meio de comunicação adicional aos existentes. Meio diferente, pois coloca em simultâneo um vasto leque de utilizadores a fazer “inputs”, a comunicarem em formato síncrono (sala de chat; videochamada,…) ou em assíncrono (Blogues e respetivos comentários, cursos on-line com sessões assíncronas, …) no chamado ciberespaço. Sendo um meio complementar de comunicação, este não substitui as obras, os museus, as pinturas, os espetáculos ao vivo, … . A pessoa tem 5 sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato) e emoções. O ciberespaço só nos fornece informação para a visão e audição. Ver um concerto em “Live Stream” vemos as imagens selecionadas pelo realizador e ouvimos o som. Isto, é um exemplo que claramente não substitui a presença física da pessoa no recinto, a olhar na direção que entender, a ouvir o som com uma qualidade muito superior, a sentir os cheiros (bons e maus) característicos de determinados concertos musicais, sentir o toque do contacto físico com outras pessoas e acima de tudo, o sentimento de pertença aquele momento único, pertença aquele grupo de pessoas que comunhão o gosto pelos artistas e suas músicas, fazer coro nos refrãos, fazer a onda enquanto se aguarda a entrada dos artistas, … e os sentimentos e emoções que são despoletadas pela nossa presença no concerto é algo não material, mas é claramente parte da essência de sermos humanos.

Para concluir, evidenciando três exemplos significativos já acima referenciados:

Redes sociais: onde cada pessoa pode interagir com outras e deixar registados eventos para partilha e memória futura.

Repositórios de universidades, bibliotecas e afins: Onde está disponível informação de caráter cientifico.

Motores de busca: Ajudam o utilizador a encontrar a informação que procura.

 

<<< Fim do texto >>>



[1] Lápis azul: Lápis usado pelos censores, representantes do Estado, na época da ditadura em Portugal, para riscarem o que não poderia ser publicado ou dito nos meios de comunicação social. - Fonte: https://www.infopedia.pt/$lapis-azul
[2] Ai Fen: Médica Chinesa que apesar de estar proibida de falar, alertou o mundo para o que se passava em Wuhan. Desapareceu. Fonte: https://expresso.pt/coronavirus/2020-03-30-A-medica-que-denunciou-a-existencia-do-novo-coronavirus-foi-impedida-de-falar-na-altura---e-agora-desapareceu
[3] Existem diversos organismos de referência para a Reanimação, de caráter regional, por exemplo o Conselho Europeu de Ressuscitação e o American Heart Association. Apesar de ambos serem organismos de caráter científico, as recomendações que emanam são distintas. Contudo ambos sustentam a sua perspetiva baseada em estudos e revisões cientificas.

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