A VIRTUALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS - Parte 2

O desafio de reflexão sobre a “Virtualização das relações sociais”, leva a três vertentes sobre estas. As características dos utilizadores, a influência das redes sociais nestes e a segurança nas redes sociais. 


As características dos utilizadores

Os utilizadores de redes sociais apresentam motivações diversas. 

“[…] Nesse aspeto, inúmeras intenções foram identificadas: a possibilidade de receber um número muito grande de informações das mais diversas; poder manter contacto com pessoas que moram longe, e por isso economizar na conta de telefone; a curiosidade, já que outros amigos já eram usuários das redes virtuais de relacionamento; a possibilidade de acompanhar a vida de várias pessoas, por meio de suas publicações (de imagens e mensagens); a possibilidade de se tornarem membros de grupos virtuais de conhecidos com interesses em comum; e a facilidade de poder conhecer pessoas virtualmente e por meio desse contacto iniciar novos relacionamentos.” – BORDIGNON & al. (2017). 

“Online é diferente, online é só fantasia. Você pode acreditar, você pode ser feliz para sempre, você pode deixar de lado sua vida de *****, o seu trabalho ruim, a sua família que não se preocupa, a sua barriga flácida, os seus pulmões que iriam ceder se você corresse metade do que diz que corre e você pode ser perfeita. Você pode ter o sonho. Você pode ser feliz. Você pode ser engraçado e talentoso e gentil e caloroso ou sarcástico. Você é livre para simplesmente deixa-se ir. ” - Mulher anónima, 45[i]

Um outro estudo, centrado em adolescentes[ii], identificou 4 perfis de utilizadores de redes sociais: 
  • “Juggling it all” - É identificado como o jovem extremamente ativo, com muitas atividades off-line e usa o on-line para complementar atividades que tem off-line.
  • “Coming Full Cycle” - É entendido como o jovem, que já usou o on-line de forma exagerada, mas que amadureceu e ajustou o seu comportamento, de forma a equilibrar a sua vida on-line com a off-line.
  • “Stuck Online” - É entendido como o jovem viciado na vida on-line. Pode prejudicar a sua vida off-line. Já é sinalizado como um padrão comportamental potencialmente patológico.
  • “Killing Boredom” - Corresponde ao jovem que recorre ao on-line, por vazio na sua vida off-line. Este padrão também é considerado potencialmente patológico, uma vez que corresponde a um desequilíbrio e incapacidade do jovem em ter ocupações e relacionamentos off-line.
Também existe nas redes sociais, um prolongamento das relações sociais do off-line. 
No artigo “Why are they commenting on his page? - Using Facebook profile pages to continue connections with the deceased”, de BOUC & al. (2016), são estudados os comportamentos de utilizadores do Facebook que continuam a postar comentários no perfil de alguém que já faleceu. Nesse artigo, sinalizam 3 motivos: processo de luto, relembrar o defunto e continuar a ligação. 

Num estudo feito sobre jovens em casa de acolhimento, usando o jogo “SIMS"[iii], verificou-se que houve participantes que projetaram a sua experiência de vida passada, relembrando momentos determinantes nas suas vidas, outros projetaram o que gostariam de ter tido como experiência de vida e por fim, houve quem projeta-se o seu futuro. 

Mesmo assim, não se esgotam as motivações ou características do utilizadores das redes sociais nestes exemplos. A personalidade através do neuroticismo, extroversão, abertura, amabilidade e conscienciosidade, criam múltiplas características nos utilizadores destas redes e respetivas motivações. 


Influências das redes sociais

As redes sociais, podem exercer uma forte influência junto dos utilizadores. 

De forma positiva, onde o utilizador encontra reforços positivos à sua pessoa, aprende, tem acesso a informação de caráter noticioso, usa como ferramenta de lidar com o luto, ... 

E na forma negativa, as redes sociais podem ser usadas para estender o “Bulling” para esse meio, podem ser uma forma de humilhar e caluniar outra pessoa, quer a nível pessoal ou a nível profissional, servir para praticar crimes e de uma forma mais impercetível, agudizar distúrbios psicossociais de utilizadores, que não conseguem obter uma satisfação nas suas amizades online, quer em termos quantitativos (número de amizades) quer qualitativos (feed-back aos seus posts). 

As redes sociais, para além dos relacionamentos humanos, são também uma ferramenta poderosa na comunicação e pior, podem ser manipuladas para fins comerciais ou políticos. De facto, o inventor da www (World Wide Web) manifesta a sua preocupação sobre a compartimentação do ciberespaço por empresas e Estados. Um dos exemplos que indica são as redes sociais e outros sites, que obrigam ao utilizador em criar uma conta para aceder aos conteúdos. Esta compartimentação vai contra o espírito na génese da www pela partilha universal do conhecimento. Outra preocupação, é o risco de um fornecedor de serviços de internet, reduzir a velocidade de acesso, quando o utilizador pretende aceder a um determinado site de uma empresa da concorrência. Estas situações, permitem não só a condução da opinião pública, como o consumo dos utilizadores. 

Em termos de meio de comunicação, as redes sociais são uma fonte de informação de relevo junto da opinião pública. A informação circula à velocidade da luz e chega primeiro, antes dos próprios meios de comunicação social formais noticiarem. A informação chega rápida, mas crua, ou seja, sem ser trabalhada ou editada para cumprir critérios de qualidade informativa, que no caso da comunicação social formal já é feito. 

“ […]os jornalistas escolhem seletivamente alguma informação, em detrimento de outra. Por conseguinte, ao confiar nos órgãos de comunicação, as pessoas têm fé em seleções específicas (Kohring & Matthes, 2007).” – Citado por HASNAT (2014). 

Neste estudo (Hasnat, 2014)[iv] as principais conclusões das entrevistas aos jornalistas finlandeses sobre as redes sociais, foram:
  • As redes sociais são um meio de transmissão rápido de informações, sendo inclusivamente utilizados pelos jornalistas para identificação de conteúdos potencialmente relevantes para serem exploradas jornalisticamente;
  • Preocupação da falta de uma revisão ou edição dos conteúdos postados, para serem validados como fidedignos;
  • O excesso de informação disponível, retira relevância a conteúdos de maior valor social;
  • A existência de falsa informação, tanto nas redes sociais como nos meios de comunicação social convencionais;
  • A perceção da idoneidade da informação, está relacionada com o nome ou do autor ou da entidade que a publica;
  • As notícias reportadas por jornalistas, são por definição mais credíveis, pois em termos profissionais estão sujeitos a um código de ética, tendo como missão, assegurar que a informação recolhida é idónea e processada de forma imparcial e objetiva, tendo em conta os impactos anteriores e posteriores à sua publicação.


Segurança no ciberespaço

A segurança no ciberespaço é uma preocupação das sociedades amplamente suportadas por este espaço. Desde o controle ou boicote de serviços essenciais, como a eletricidade ou a água, passando pela obtenção de dados pessoas para fins ilícitos ou até mesmo o uso deste espaço como meio privilegiado de comunicação para atividades criminosas incluindo o terrorismo, diversos são os riscos deste espaço. 

Cada país tem a sua estratégia própria para a cibersegurança e em Portugal a Resolução Conselho de Ministros n.º 92/2019. – Aprovou a Estratégia Nacional de Segurança do Ciberespaço para 2019 -2023, onde dos seis eixos de atuação, dois são claramente transversais a toda sociedade portuguesa: 

“Eixo 2 — Prevenção, educação e sensibilização; 
A incerteza permanente, relativa às diferentes ameaças de natureza difusa, contornos indefinidos e em permanente mutação e evolução que impendem sobre a segurança do ciberespaço de interesse nacional exigem capacidade nacional para detetar e conhecer atempadamente os indicadores que possam estar associados a ameaças potenciais e em curso. 
(…) 
Eixo 4 — Resposta às ameaças e combate ao cibercrime; 
O ciberespaço proporcionou a criação quer de novos padrões de comportamento e ação humana em benefício da sociedade, quer de novas tipologias de ameaça e de crimes que necessitam de uma resposta atempada, coerente, participada e colaborativa, onde importa proteger os bens jurídicos legalmente consagrados e os direitos dos cidadãos. Complementarmente, para além de ter aberto o espaço para a prática de novos tipos de crimes, deu também origem a um ambiente propício para que se desenvolvam crimes antigos com novos métodos e ações ofensivas de grande envergadura lesivas do interesse nacional.” - Resolução do Conselho de Ministros n.º 92/2019. – Aprova a Estratégia Nacional de Segurança do Ciberespaço 2019 -2023. 

A nível individual, a perceção de segurança nos sites sociais, varia em função de diversos fatores. Um estudo feito a 272 adultos nos EUA, com idade média de 32 anos, que utilizam diversas plataformas sociais, apontou como principais conclusões: 

“Apenas 16–32% relataram serem honestas e 0–2% esperavam a honestidade dos outros utilizadores online. 
As pessoas esperavam mais mentiras em sites sexuais e menos nas redes sociais. 
As pessoas esperavam mais mentiras sobre a aparência e menos sobre género. 
As avaliações do comportamento mentiroso de outras pessoas influenciaram o comportamento mentiroso do próprio nos sites. 
Fatores contextuais são mais influentes do que fatores de personalidade, para o comportamento mentiroso do próprio.” – DROUNIN & al. (2016) 

Adicionalmente, num outro estudo[v], provou-se que as pessoas apresentam maior exigência de confiança no e-comércio do que no e-datting, ou seja, não se pode transpor os achados sobre confiança no âmbito do comércio para o âmbito relacional (HALLAM, 2019). 


Conclusões

São diversas as motivações para aceder às redes sociais. 

Este acesso, poder ser uma continuidade de relações já existentes no off-line e/ou uma forma de criar mais. 

Também pode revestir-se como um escape à realidade off-line e viver um “eu” ideal no ciberespaço. 

São locais de grande fluxo informativo, que pode ser motivador ou desmotivador. Adicionalmente, os utilizadores de redes sociais estão a ser compartimentados, ficando mais expostos a uma espécie de controlo de opinião e de gostos. 

Por outro lado, o excesso de informação, torna difícil separar as notícias falsas e encontrar informações relevantes para o utilizador. 

Não descurar que as redes sociais são “mares” onde nadam “tubarões” vestidos de “golfinhos”, em que qualquer um de nós poderá ser uma refeição. 

Mas, numa perspetiva sobre uma saída de emergência para situações complicadas… 

“No mundo on-line, as complicadas traduções, negociações e compromissos podem, no entanto, ser evitados, pela graça salvadora da tecla "delete". A necessidade de se estabelecer um diálogo, refletir sobre os motivos um do outro, de analisar e revisar criticamente suas próprias razões, e de buscar um modus vivenài, poderá ser suspensa e adiada - talvez indefinidamente (BAUMAN, 2010b, p.216).” Citado por SILVA e CARVALHO 2012.

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[i] DROUNIN & al. - Why do people lie online? “Because everyone lies on the internet”.
[ii] TZAVELA & al. - Adolescent digital profiles: A process-based typology of highly engaged internet users.
[iii] MOTA; THOMAZ & MELO. - O jogo The Sims como tela de projeção e elaboração de experiências.
[iv] HASNAT, Mohammad. - Credibilidade das redes sociais online: aos olhos dos jornalistas profissionais finlandeses.
[v] HALLAM; BACKER & WALRAVE. - Taking it to the next level: The negligible role of trust when online dating goes offline.

Bibliografia

BORDIGNON, Cristina; BONAMIGO, Irme - Os jovens e as redes sociais virtuais. Pesquisas e Práticas Psicossociais. São João del Rei. ISSN 1809-8908, Volume 12, n.º2 (2017), p.310-326.

BOUC, Amanda; HAN, Soo-Hye; PENNINGTON, Natalie. - “Why are they commenting on his page?”: Using Facebook profile pages to continue connections with the deceased. Computers in Human Behavior. Elsevier. ISSN 0747-5632. Volume 62 (2016), p.635-643.

DROUNIN, Michelle; MILLER, Daniel; WEHLE, Shaun; HERNANDEZ, Elisa. - Why do people lie online? “Because everyone lies on the internet”. Computers in Human Behavior. Elsevier. ISSN 0747-5632. Volume 64 (2016), p.134-142.

FERNANDES, José. - Da utopia da sociedade em rede à realidade da sociedade de risco. Análise Social. Lisboa. ISSN 0003-2573. Volume XLVIII, n.º207 (2013), p.260-286

HALLAM, Lara; BACKER, Charlotte; WALRAVE, Michel. - Taking it to the next level: The negligible role of trust when online dating goes offline. Computers in Human Behavior. Elsevier. ISSN 0747-5632. Volume 90 (2019), p. 259-264.

HASNAT, Mohammad - Credibilidade das redes sociais online: aos olhos dos jornalistas profissionais finlandeses. Comunicação e Sociedade. Braga. Volume 25 (2014), p.202–219.

MOTA, Jéssica; THOMAZ, Marcos; MELO, Maria - O jogo The Sims como tela de projeção e elaboração de experiências. Estudos e Pesquisas em Psicologia. Rio de Janeiro. ISSN 0042-4447. Volume 15, n.º 4 (2015), p.1465-1483.

Resolução do Conselho de Ministros n.º 92/2019. – Aprova a Estratégia Nacional de Segurança do Ciberespaço 2019 -2023. Diário da República, 1ª série - n.º 108, de 5 de junho de 2019.

SEIXAS, Sónia; FERNANDES, Luís; MORAIS, Tito. - Bullying e ciberbullying em idade escolar. Revista de Psicologia da Criança e do Adolescente. Lisboa. Volume 7 n.º 1-2 (2016), p.205-210

SILVA, Rafael,  CARVALHO, Alonzo - Amizade e a virtualização das relações humanas na sociedade contemporânea: reflexões a partir de Zygmunt Bauman. Revista Espaço Académico. Maringá. ISSN 1519-6186. Ano 13, nº 153 (2014), p.10-16.

TZAVELA, Eleni; KAKITSOU, Chryssoula; HALAPI, Eva; TSITSIKA, Artemis. - Adolescent digital profiles: A process-based typology of highly engaged internet users. Computers in Human Behavior. Elsevier.  ISSN 0747-5632. Volume 69 (2017), p.246-255.

 

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